19 fevereiro 2013

10 fevereiro 2013

arranhadela

A "discussão" da semana sobre o papel e os direitos dos divorciados na sua prática católica fez-me lembrar um poema do António Ramos Rosa: Tu pensas que os Cardeais...e deixo-o aqui:

Tu pensas que os cardeais 
não se masturbam, 
que não vêem 
as telenovelas, 
que vêem, quando muito, os filmes de Bergman 
e o Evangelho segundo São Mateus de Pasolini. 
Não, eles nunca lêem os livros pornográficos 
e nunca pensaram em ter amantes. 
Eles não conhecem o turbilhão das visões 
das figuras eróticas, 
eles lêem os exercícios espirituais 
de Santo Inácio 
e têm o odor da santidade 
e irão para o céu porque nunca pecaram, 
nunca acariciaram um pénis, 
nunca o desejaram túmido e ardente 
na sua boca casta. 

Ah os cardeais como são exemplares 
mesmo quando os espelhos os perseguem 
com os membros e órgãos de mulheres 
na fulguração da nudez liquida e candente! 

Todavia eu conheço a obstinada chama 
do desejo, 
a sua glauca ondulação, 
os seus olhos deslumbrados pela oceânica 
vertigem 
de um corpo embriagado pela sua simetria 
e pela volúvel coerência 
dos seus astros dispersos. 

Não, eu não creio na inocência imaculada 
dos solenes cardeais. 
Eu sei que a sua carne é a mesma argila 
incandescente e turva 
de que o meu corpo frágil é composto. 
Eles conhecem o sofrimento de ser duplos, 
o vazio do desejo, 
a violência nua das imagens monstruosas, 
a adolescência do fogo nos labirintos negros. 

Mas eu sei que os cardeais não gritam, 
nem levantam a voz, 
nem atravessam a fronteira do pudor 
e adormecem ao rumor das orações. 
É esta imagem que eu quero conservar 
na religiosa monotonia do meu sono.